Um eventual acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia tem prós e contras para setores econômicos do Brasil. Várias áreas são impactadas, e até produção de remédios genéricos pode ser afetada.
O embaixador José Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), disse ao UOL que até agora ninguém viu ou sabe, a não ser os envolvidos, o que os países membros dos dois blocos estão negociando.
"Ninguém sabe nem sequer uma linha do que está sendo negociado. Esse acordo é uma verdadeira caixa-preta", disse o embaixador, que participou das primeiras negociações entre 1999 e 2003, e que se arrastam até agora.
Agricultura ganha, mas indústria perde
Em tese, os setores agrícola (principalmente carne bovina) e biocombustíveis (etanol) seriam os mais beneficiados com a redução ou a eliminação de tarifas que pesam hoje sobre o comércio exterior entre os dois blocos e com a ampliação de cotas para esses produtos.
Já a indústria (automotiva, têxtil, calçadista, pneus e máquinas e equipamentos, entre outros) sairia mais prejudicada devido não apenas à falta de competitividade dos manufaturados brasileiros, mas também porque perderia, em parte, a proteção da qual desfruta hoje.
Alguns desses segmentos industriais brasileiros, por exemplo, estão protegidos por uma tarifa de importação de 35%, alíquota máxima que pode ser aplicada em razão de acordos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Essa alíquota cairia para um porcentual menor, que está sendo negociado.
Felippe Serigati, professor da FGVagro, também avalia que o setor que mais deve ganhar com o acordo entre o Mercosul e a União Europeia é o agrícola. Ele diz, no entanto, que agropecuária brasileira terá um enorme desafio pela frente que deveria ter sido resolvido há alguns anos para ampliar o mercado europeu.
Questão sanitária precisa melhorar
Segundo Serigati, os produtores brasileiros precisam melhorar não apenas a qualidade, mas também a questão sanitária, que em março de 2017 mostrou sua fragilidade quando da fiscalização de frigoríficos que vendiam carne vencida tanto no mercado interno quanto para exportação (operação Carne Fraca).
"A lição de casa, que não foi feita até agora, ficará mais complicada e sofisticada, já que os europeus deverão exigir também a procedências da carne, que não seja de áreas desmatadas ilegalmente, por exemplo", disse o professor.
Segundo ele, outros produtos agrícolas também podem ser beneficiados com o acordo, como açúcar, suco de laranja, grãos e frutas. "Teremos espaço para vários itens agrícolas. Por isso, vale a pena um entendimento com os europeus que permita melhorar nosso mercado."
União Europeia mantém subsídios
Por outro lado, é quase previsível que a União Europeia continuará a conceder subsídios e proteção a seu setor agrícola, condição que os países desse bloco tentam impor nas negociações.
Outro argumento dos europeus, principalmente franceses, é que os temas relacionados a esse setor, principalmente subvenções, precisam ser tratados no âmbito da OMC, embora todos saibam que as rodadas de negociações estão paradas há alguns anos.
Acerto abrange temas mais amplos, não só comércio
O eventual acordo entre o Mercosul e a União Europeia não trata apenas de tarifas ou de cotas para bens agrícolas e industriais. Ele vai além, já que envolve temas mais abrangentes e de caráter estrutural, como propriedade intelectual, patentes, compras públicas, investimentos, concorrência e serviços.
Ou seja, existem ainda muitos aspectos técnicos a serem resolvidos nessas áreas econômicas, o que não deve ocorrer apenas nas reuniões técnicas que estão sendo realizadas desde a semana passada em Bruxelas (Bélgica) e devem ser concluídas nesta sexta-feira (28).
Programa de remédios genéricos afetado
A UE quer, por exemplo, que os países do Mercosul não quebrem patentes para a fabricação de medicamentos por um período de cinco anos após o registro do produto, o que comprometeria em parte o programa brasileiro de genéricos.
Caso os técnicos dos países dos dois blocos cheguem a um acordo, a minuta do texto terá de passar ainda pelo crivo dos líderes desses países, que aproveitarão o encontro de cúpula do G-20 no Japão, nos dias 28 e 29, para ir adiante ou não nesse acordo.
Importância estratégica para os blocos
Para o embaixador Graça Lima, é preciso reconhecer que um acordo entre os dois blocos tem importância estratégica, já que envolve não apenas um mercado de mais de 800 milhões de consumidores, mas também economias com significativas potencialidades de cooperação e complementação.
Ou seja, ampliar e melhorar as relações entre as duas regiões passou a ser mais um objetivo político do que econômico. Isso porque, segundo o embaixador, a França nunca estará minimamente convencida da necessidade de um acordo de livre comércio, principalmente pela pressão do seu setor agrícola, considerado extremamente sensível a qualquer movimento que possa lhe reduzir mercado.
De acordo com o embaixador, se os dois blocos chegarem mesmo a um acordo, ele ficará restrito apenas a concessões tarifárias e imposição de cotas de ambas as partes, o que, na avaliação dele, é uma contradição ao livre comércio.