Se as perspectivas de crescimento para o Brasil já vinham caindo sistematicamente nas últimas semanas, o movimento tende a se acelerar daqui por diante devido aos impactos do novo coronavírus que já chegou em São Paulo. Será um problema e tanto para o governo, pois pode abortar a incipiente recuperação do mercado de trabalho e dificultar o processo de combate à pobreza. O país ainda ostenta quase 12 milhões de desempregados e cerca de 3,5 milhões de famílias estão na fila de espera do Bolsa Família por total falta de renda.
Na avaliação de especialistas, o impacto do coronavírus só explicita as mazelas do baixo crescimento do qual o Brasil não consegue se libertar. O país atravessa o período mais lento de recuperação econômica da história e, com esse quadro, a pobreza e a desigualdade aumentam, porque não há perspectivas de criação de empregos de qualidade e, muito menos, de retomada dos investimentos, principal motor para uma expansão mais robusta e sustentável do Produto Interno Bruto (PIB).
A falta de demanda, inclusive, é a responsável pela inflação comportada dos últimos meses. Apesar da leve queda na taxa de desemprego, para 11,9%, as vagas que aparecem são, em grande maioria, no mercado informal. Logo, o risco de perder o emprego é elevado, e o trabalhador acaba evitando consumir para não contrair mais dívidas. Enquanto isso, empresários não investem porque ainda há ociosidade elevada na indústria.
Nesse contexto nada animador, o presidente Jair Bolsonaro entra no segundo ano de mandato sem ter cumprido a promessa do “choque de gestão”, em função da ausência de uma agenda econômica mais clara e eficiente. A falta de foco do Executivo, que perdeu tempo precioso com a agenda de costumes, é apontada por especialistas e parlamentares como um dos motivos para que a reforma da Previdência quase não fosse aprovada. Enquanto isso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem se complicando com declarações preconceituosas, como as do presidente, em vez de apresentar um plano para a retomada do crescimento. Guedes, inclusive, corre o risco de não conseguir entregar nenhuma reforma em 2020, ano eleitoral em que o prazo é curto para as propostas andarem no Congresso.
Previsões
A frustração do mercado vem se refletindo nas previsões para o crescimento de 2020, que estão sendo reduzidas antes mesmo da divulgação dos dados do PIB de 2019, que ocorrerá no próximo dia 4. As estimativas iniciais de crescimento econômico em 2020, de 2,5%, ficaram no passado e dão espaço para previsões de 1,5%, apesar de a taxa básica de juros (Selic) estar no menor patamar da história — 4,25% ao ano.
“Depois da recessão, estamos presenciando uma recuperação muito lenta. Saímos mais rápido de outras crises no passado. A frustração por anos seguidos é ruim. O país vai demorar muito para voltar ao que era”, lamentou o economista Claudio Considera, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
Para ele, a razão do baixo crescimento é simples. “É flagrante que os investimentos estão demorando muito a serem retomados”, apontou. O leve crescimento visto nos últimos trimestres tem como base a construção civil, mas esse tipo de investimento não aumenta a produtividade, da qual o país precisa para gerar empregos de melhor qualidade, acrescentou.
O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), reforçou que a economia não cresce porque está com problema de demanda. “O país é um paciente com taquicardia e, portanto, vai ser preciso que o Estado também invista para reverter o quadro atual”, destacou. “Mas a União perdeu a capacidade de investir, não há mais espaço no Orçamento e, portanto, vai ser difícil ver o país crescer mesmo com juros tão baixos”, lamentou.
Considera lembrou que o atraso do governo em apresentar uma proposta de reforma tributária, enquanto o Congresso parte para unificar os textos da Câmara e do Senado, ajudou a afugentar o investimento. “O empresário não investe quando não há demanda ou insegurança jurídica. A reforma tributária ajudaria a alavancar o investimento, mas ainda é uma incerteza. Ninguém sabe qual será aprovada e, portanto, nenhum empresário consegue fazer projeção de quantos impostos vai pagar. Essa indefinição impede qualquer investimento”, explicou.
A prévia do PIB do Banco Central, o IBC-Br, indicando crescimento de apenas 0,89% em 2019, acendeu a luz amarela, fazendo a mediana das estimativas de mercado do Relatório Focus passarem de 2,30% para 2,23%, na semana passada, com viés de baixa.
Em meio às incertezas nas economias doméstica e externa, o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, reduziu de 2,2% para 1,4% a expectativa de crescimento do PIB deste ano, antecipando a piora no cenário por conta do novo coronavírus. “A desaceleração vem tanto da demanda externa quanto do consumo das famílias, sendo que esta já vinha sendo revista antes de as perdas do vírus serem consideradas”, disse Gonçalves, que acredita que o PIB do 1º trimestre de 2020 pode até cair na comparação anual.
Nem mesmo a liberação dos R$ 135 bilhões dos depósitos compulsórios, feita pelo Banco Central, deverá ajudar na expansão da economia via crédito, pois existem 61,3 milhões consumidores inadimplentes no país, lembrou Oreiro, da UnB. “O mercado está voltando à realidade de que o crescimento não será forte neste ano. A medida do BC ajuda um pouco, mas é mais estrutural de desmonte do compulsório do que algo que vai ter impacto no curto prazo”, avaliou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
Para a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, no entanto, ainda há fundamentos para a economia crescer na casa de 2%, mas ela reconhece que há frustração nas previsões, principalmente, por conta da piora do cenário externo. “Vamos esperar o PIB do 4º trimestre para ver a necessidade de incorporar o impacto do coronavírus, que pode reduzir o PIB deste ano em 0,15 ponto percentual”, afirmou.