O investidor brasileiro ainda está se acostumando a ver o principal índice de ações do País oscilar acima dos 100 mil pontos – o Ibovespa atingiu seu pico nominal há menos de um mês, aos 106,6 mil pontos. Boa parte da boa fase está ligada ao movimento de queda de juros no País, aprofundado na última quarta-feira, quando o Banco Central reduziu a Selic para 6% ao ano. Mas, na medida em que esse ambiente deixar de ser novidade, dizem especialistas, os ganhos na Bolsa voltarão a depender cada vez mais dos resultados das empresas.
Nesse cenário, a fraqueza da atividade econômica pode se tornar um obstáculo para novas altas. Embora ainda não seja um sinal vermelho para quem deseja investir em ações, a expectativa de alta para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 está em apenas 0,82%, de acordo com o relatório Focus, do Banco Central.
A divulgação dos balanços trimestrais das principais empresas abertas no País permitiu estimar o grau de confiança do mercado em seus desempenhos. Levantamento realizado a pedido do Estado mostra que, mesmo sem uma retomada robusta da atividade, os investidores continuam mais otimistas com o futuro das companhias do que nos últimos anos.
Segundo cálculos do coordenador dos cursos de finanças da FIA, Marcos Piellusch, o mercado está pagando nas ações dessas empresas 85% a mais do que o valor contábil médio delas. A análise é feita por meio do múltiplo P/VPA, razão entre valor de mercado e valor patrimonial.
“É uma espécie de indicador do nível de otimismo dos investidores quanto ao futuro da empresa. Se a relação é elevada, significa que os acionistas estão dispostos a pagar valor muito maior do que o histórico de recursos aplicados na empresa”, explica Piellusch.
“Embora haja um otimismo embutido no preço das ações, parte dele tem fundamento na evolução dos resultados das empresas.”
Para Carlos Honorato, professor da escola de negócios Saint Paul, a temporada de balanços veio em linha com as expectativas do mercado. A concretização de reformas pode trazer altas no curto prazo, diz ele, mas a dificuldade de crescimento do País é um ponto de atenção.
“As empresas se adaptaram em termos de custos para passar da crise, e a grande batalha da eficiência vai começar agora. O valor de mercado é proporcional à capacidade de fazer bons planos estratégicos”, diz Honorato.
Olho no lucro. O sócio e gestor do Opportunity, Luiz Constantino, explica que o nível dos juros ainda deve ajudar a Bolsa, mas diz que, ao longo do tempo, o mais importante para o preço das ações será o lucro de cada companhia. “Em alguns momentos de mudança, como de queda de juros, todos acabam se aproveitando, mas as grandes performances serão de quem mostrar uma dinâmica melhor em relação ao que as pessoas esperavam no passado”, afirma.
Sobre o impacto das divulgações dos balanços, Constantino diz ser preciso entender o que está ocorrendo para além dos três meses reportados. “É uma foto do que está acontecendo com a empresa naquele momento. Saber, por si só, se a empresa entregou lucro acima ou abaixo do esperado não é tão relevante. O importante é ver a confiança no crescimento para frente.”
Para o estrategista de private do Banco Fator, Rodrigo D’Utra Vaz, oportunidades de bons negócios na Bolsa se tornaram menos óbvias após as últimas valorizações. “Estamos entrando num ambiente em que você olha para o mercado e não vê nenhuma empresa para cravar que está barata.”
Ele também acredita que os juros menores no País ainda darão gás aos papéis. “Ainda há um dinheiro represado expressivo a vir, principalmente dos fundos de pensão, que têm processo de tomada de decisão mais demorado. Se começar a migrar de maneira mais significativa, aí sim o mercado pode passar à frente dos fundamentos, já que não estamos tão confiantes de que existe tanto crescimento lá na frente.”